A guasqueria combinou e combina com o gaúcho[1] pelo estilo de vida e trabalho deste, que envolve criação de gado e de cavalos. Desde o século XVI, afirma Fontana (1988, p. 10-11), com a chegada dos espanhóis à América do Sul, estes trouxeram ao continente os primeiros exemplares de gado bovino e cavalar. A proliferação desses animais, pelas condições favoráveis do clima, pela alimentação em abundância (ricas pastagens naturais) e pela ausência de predadores, mas com o desbande dos animais, iria determinar a formação de grande volume de gado “chimarrão” (Opus Cit, p. 11), constituindo as denominadas “vacarias”. Devido à falta de outros materiais para a vida diária em nossos campos, como o linho e o algodão, por exemplo, à abundância de matéria-prima (o couro), bem como à existência de tempo livre para dedicar-se aos trabalhos em couro, a guasqueria se desenvolveu e se difundiu amplamente no território do que hoje seria o Uruguai, a Argentina e o RS. Segundo Santo Martínez (1969), antigamente durante os séculos XVII, XVIII e XIX, o couro era aplicado na confecção e conserto de baús, cadeiras, silos para grãos, camas, tetos, arreios, selas, boleadeiras, chicotes, rebenques, entre outros utensílios. No entanto, trabalhos com couro datam de 3.000 anos A.C., com os fenícios, seguidos pelos árabes e espanhóis, que transportaram essa arte para a nossa região (Ibidem, p. 11). O gaúcho adotou essa herança cultural e a aprimorou, chegando a produzir uma técnica própria, como resultado de suas necessidades e do material disponível.
Para um dos principais mestres do ensino e transmissão da arte guasqueira da Argentina, Luis Alberto Flores (1960), o couro que mais se usa como base é o couro de boi, enquanto o cavalar emprega-se para cortar finos tentos para costura. Por outro lado, deve-se destacar que, para uma pessoa se constituir em guasqueiro, os livros didáticos não bastam, pois ela é uma arte que se transmite oralmente, repassando conhecimento de geração em geração.
As ferramentas que
cada guasqueiro utiliza para sua arte são produzidas, em geral, pelo próprio
guasqueiro. Por exemplo, cada um faz seus próprios furadores, perfuradores e outros
utensílios, de acordo com as necessidades e gostos particulares de cada
artesão. Não existe uma “loja onde ferramentas para guasqueria”[2],
onde estas sejam vendidas. Por outro lado, cada guasqueiro, ainda que
compartilhe com outro as mesmas técnicas, tem seu próprio estilo e estética, e
cada peça que efetua, por mais que se queira repeti-la, nunca será igual à
anterior.
Portanto, e de acordo com autores das escassas edições impressas didáticas sobre guasqueria conhecidas até hoje, na Argentina e no Brasil, como as de Lopez Osornio (1995), Fontana (1988), Flores (1960), Faudone (2005) e Barbosa Lessa (1978), o termo “guasqueiro” refere à pessoa que tem por oficio a “guasqueria”. Isto é, aqueles que trabalham com o couro cru e com o couro sovado para confeccionar, com ambos os tipos de couro, segundo a necessidade ou ocasião, as diversas prendas do apeiro gaúcho (montaria). A guasqueria é empregada para a realização de tranças, revestidos, corredores e bombas. São elaboradas peças trançadas, redondas ou achatadas, ou combinações de ambas, para produzir laços, boçais, rédeas, costuras e trançados, maneias, presilhas, cinchas e, também, objetos de uso cotidiano, como cabos de facas, bainhas, guaiacas, carteiras, bolsas, cinturões, chaveiros, pulseiras, colares, entre muitas outras peças.
[1] Deve-se esclarecer que, quando utilizamos, neste projeto, a expressão “gaúcho” não estamos nos referindo ao gentilíco para denominar os nascidos no estado brasileiro do Rio Grande do Sul, senão as pessoas ligadas à atividade pecuária e à lida campeira, ou seja, aqueles que residem e vivem em áreas rurais em regiões de ocorrência de campos naturais do Sul do estado, na região Oeste (notavelmente no bioma denominado Pampa), incluindo, também, aqueles de zonas de fronteira, especialmente com o Uruguai e a Argentina. Por outro lado, o termo “gaúcho” será utilizado, no projeto, para mencionar, indiferentemente seja de nacionalidade brasileira, uruguaia ou argentina, o homem e mulher que vivem no interior, mais especificamente em áreas rurais do bioma Pampa, e que conservam certos traços identitários (costumes, tradições, atividades,) ligados ao antigo “gaúcho”.
[2] Só existem, desde o século XIX até a atualidade, duas lojas, uma na França e outra nos Estados Unidos, as quais se têm dedicado a produzir ferramentas para o trabalho com couro: a Vergez –Blanchard, a qual encontra-se na vila de Romilly sur Andelle (França), e a C. S. Osborne com endereço em Nova Jersey (EE.UU). Porém, como se argumentava acima, essas ferramentas são custosas e difíceis de serem adquiridas pelo guasqueiro “simples”. Praticamente, e em especial as Vergez-Blanchard, são consideradas “jóias” pela sua excelente qualidade, sendo bastante procuradas por colecionadores e apaixonados pela guasqueria, especialmente aquelas ferramentas que foram produzidas antigamente.
Parabens pela publicacao!! Otimo conteudo!
Muito obrigado!
Muito bom o texto